ESTUDO REFERENTE À COBRANÇA DE VALORES NÃO DISCRIMINADOS EM FATURA TELEFÔNICA

 

Algumas concessionárias do serviço de telefonia não apresentam suas faturas telefônicas de acordo com o que preconiza a Lei.

 

Por esta razão foi realizado o presente estudo, tomando por base as faturas da Brasil Telecom, uma das concessionárias de telefonia fixa que atende o estado do Paraná e apresenta as faturas telefônicas de forma ilegal.

 

Um dos serviços que são apresentados de forma ilegal é o intitulado de “serviços locais”, faltando elementos que comprovem a utilização dos serviços e a legalidade dos valores cobrados.

 

Conforme será a seguir demonstrado, a cobrança de valores não discriminados na fatura telefônica é ilegal, não podendo persistir.

 

 

DA IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA DOS VALORES NÃO DISCRIMINADOS NA CONTA TELEFÔNICA

 

A cobrança de valores não discriminados em conta, notoriamente referentes às ligações locais, está em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º inciso III, com a Lei 9472/97, artigo 3º, inciso IV e ainda com a Lei Estadual 13051/2001 artigo 1º, cujos teores transcrevemos, in verbis:

 

Código de Defesa do Consumidor:

 “art.6º São direitos básicos do consumidor:

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;”

 

Lei 9472/97:

“Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:

IV - à informação adequada sobre as condições de prestação dos serviços, suas tarifas e preços;”

 

Lei Estadual (PR) 13051/2001:

“Art. 1º. Fica a empresa concessionária de serviço público de telefonia fixa no Estado do Paraná, responsável pela emissão da fatura telefônica, obrigada a individualizar cada ligação local realizada pelo consumidor, fazendo constar na fatura as seguintes informações:

a) data da ligação;

b) horário da ligação;

c) duração da ligação;

d) telefone chamado; e

e) valor devido.

§ 1º. Entende-se por ligação local, aquelas denominadas genericamente por pulsos pelas empresas concessionárias de serviço público de telefonia fixa.

§ 2º. A empresa concessionária de serviço público de telefonia fixa, também fica obrigada a colocar a quantidade de pulsos efetuados no mês atual de cobrança e quantidade dos últimos doze meses”

 

Assim, em que pese a conduta da empresa telefônica estar amparada por portaria expedida pelo Ministério das Comunicações, revela-se ilegal e arbitrária a cobrança dos valores não discriminados, vez que fere a hierarquia das normas, não sendo, portanto, possível a cobrança na forma que atualmente se apresenta.

 

Ressalte-se que a cobrança, na forma que é feita atualmente, fere diversos princípios de nosso ordenamento jurídico, dentre eles:

 

Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Celso Bastos[1] ensina que:

 

“A referência à dignidade da pessoa humana parece conglobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social.”

 

A tutela de direitos pressupõe que seja respeitada a dignidade do homem. O Estado precisa tomar providências para que condições mínimas de vida digna sejam concedidas às pessoas. Não adianta adotar um ordenamento jurídico avançado se o personagem principal é deixado à sua própria sorte. A preocupação do legislador constituinte foi a de que o Estado proporcionasse condições para que todos tivessem o direito de ter uma existência digna.

 

Assim o consumidor, ao ser exposto a uma situação ilegal, tem sua dignidade diretamente atingida. A dignidade é um valor espiritual e moral, inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas.

 

Princípio da Boa Fé Objetiva: trazemos o conceito dado por Miguel Reale[2], cujo teor demonstra sua importância e relevância ao presente caso:

 

“a boa-fé objetiva se apresenta como uma exigência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e Leal”

 

Não apenas em nosso Código Civil, mas inclusive em outros corpos legislativos o princípio da boa fé objetiva também foi absorvido, a exemplo do Código de Defesa do Consumidor, ex vi artigo 51, inciso IV[3]. Serve também como meio de interpretação dos negócios jurídicos, v.g. artigo 113 do Código Civil de 2002[4],

que não possui correspondente no de 1916, no exercício de direitos e como norma de conduta para os contratantes. Estatui o artigo 422 do Código Civil, como uma cláusula geral:

 

“Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.”

 

Os principais deveres decorrentes deste princípio são: os de cuidado, previdência e segurança; os de aviso e esclarecimento; os de informação; o de prestar contas; os de colaboração e de cooperação; os de proteção e cuidado com a pessoa e o patrimônio; os da omissão e de segredo. Cada um se adapta e insere conforme o tipo de contrato idealizado e concretizado pelas partes.

 

Essa análise nos leva à conclusão de que o contrato, além de servir como meio de se atingir o interesse pessoal de determinadas pessoas – com suas prerrogativas individuais e egoísticas –, também está sujeito a uma intervenção tácita ou expressa do Estado na tentativa de procurar atender as finalidades sociais.

 

A não observância ou a deslealdade configura ato ilícito ou abuso de direito, de acordo com o artigo 187 do diploma civil:

 

“Art. 187.Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

 

Princípio da Proteção dos Direitos do Consumidor: enquanto princípio da Constituição Econômica Formal, este princípio estabelece que os consumidores, por serem partes mais frágeis nas relações de consumo, deverão ser amplamente protegidos de possíveis lesões causadas pelo abuso, ilegalidade e demais atos lesivos praticados pelas prestadoras de serviço e por fornecedores de produtos.

 

Princípio da Transparência: segundo Rogério Ferras Donnini, este princípio, que está inserido no art. 4º do CDC:

 

“...tem por finalidade a realização de um contrato celebrado com respeito e lealdade e, como conseqüência uma relação mais justa e sincera. Transparência significa informação clara e correta sobre o produto a ser vendido, sobre o contrato a ser firmado, significa lealdade e respeito nas relações entre fornecedor e consumidor, mesmo na fase pré-contratual, isto é, na fase negocial dos contratos de consumo".

 

Como restou demonstrado no caso sub judice, a Empresa-Concessionária não especifica pelo que está pagando o consumidor, impedindo-o verificar o que está sendo gasto. Desta maneira, fere o princípio da Transparência nos Contratos nas relações de Consumo, deixando em opacidade as cobranças não discriminadas.

 

Corroborando com este entendimento, valiosa trazer a posição firmada pela Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná sobre a questão ora proposta, vejamos:

 

“EMENTA : NULIDADE DE COBRANÇA. "SERVIÇOS LOCAIS" NÃO DISCRIMINADOS NA FATURA TELEFÔNICA. 1) PRELIMINARES. 1.1) INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA. ATRIBUIÇÃO DA JUSTIÇA FEDERAL. INOCORRÊNCIA. 1.2) INCOMPETÊNCIA ANTE A COMPLEXIDADE DA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. 2) OBSERVÂNCIA DA REGULAMENTAÇÃO DITADA PELA UNIÃO EM RELAÇÃO AO SERVIÇO TELEFÔNICO. TESE IMPROCEDENTE. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. 1. Tratando-se a demanda em questão de ação individual, de interesse particular, não há necessidade do chamamento da agência reguladora ANATEL para atuar como litisconsorte passivo, e estando o objeto do feito adstrito à declaração da nulidade da cobrança dos valores lançados a título de "serviços locais", inexistindo qualquer discussão acerca do contrato de concessão firmado entre a Administração Pública e a empresa concessionária, não há que se falar em incompetência da Justiça Estadual, quer pela qualidade das partes, quer em razão da matéria. 2. Não se cogita de afastamento da competência jurisdicional quando a solução da causa não é complexa, mas viável a partir da prova dos autos, máxime quando desnecessária qualquer perícia. 3. O consumidor tem o direito à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de qualidade, quantidade, características, composição, qualidade e preço (art. 6º, III, CDC; art. 3º, IV, Lei 9.427/97; art. 1º, Lei Estadual 13.051/2001). Assim, mesmo que a conduta da empresa telefônica esteja amparada por portaria expedida pelo Ministério das Comunicações, revela-se ilegal a omissão de informações relevantes ao consumidor, tendo em vista a hierarquia das normas. Precedentes jurisprudenciais. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO Do exposto, propõe-se o conhecimento e o desprovimento do recurso inominado interposto por BRASIL TELECOM S/A, mantendo-se a r. sentença recorrida, de lavra do eminente Juiz AMARILDO CLEMENTINO SOARES, inclusive por seus próprios fundamentos (art. 46, in fine, da LJE), condenando-se a recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte recorrida, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma preconizada no art. 55, segunda parte, da LJE. É o voto. DECISÃO: Face ao exposto, acordam os Juízes integrantes da Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.” – Recurso Inominado nº2004.0001868-9 – Juiz Relator Dr. Edgard Fernando Barbosa – Livro 63, fls.208-218 – 01/11/2004 – Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná

 

“EMENTA : TELEFONIA. "SERVIÇOS LOCAIS". AUSÊNCIA DE DISCRIMAÇÃO EM FATURA TELEFÔNICA. NULIDADE DA COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. 1) OBSCURIDADE. NECESSIDADE DA INTERVENÇÃO DA ANATEL NO FEITO. INOCORRÊNCIA. 2) OBSCURIDADE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. VÍCIO NÃO CONSTATADO. 3) OMISSÃO. COMPETÊNCIA DA ANATEL PARA DEFINIR O MÉTODO DE TARIFAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 4) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2º, 5º, II E 37, CAPUT, DA CF. TESE IMPROCEDENTE. 5) PREVISÃO DO MÉTODO DE MULTIMEDIÇÃO EM ATOS INFRALEGAIS. IRRELEVÂNCIA. 1. Inexiste obscuridade na decisão embargada na medida em que se consignou expressamente que, tendo a presente lide se limitado à declaração de nulidade do montante consignado na fatura telefônica como "serviços locais", despicienda qualquer análise a respeito do contrato de concessão firmado entre a embargante e a ANATEL, de modo que não há que se falar em violação ao art. 109, inciso I, da Constituição Federal, por não ser matéria de competência da Justiça Federal. 2. Não há que se falar em obscuridade quando o acórdão objurgado expôs claramente que, tendo a controvérsia dos autos se limitado à declaração da nulidade da cobrança dos valores lançados nas faturas telefônicas do autor a título de "serviços locais" em razão da falta de discriminação, desnecessária a realização de prova pericial na medida em que para tanto basta a análise do direito invocado pelo autor. E dispensável a prova pericial não há que se falar em ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal). 3. Não tendo a questão acerca da competência da ANATEL para definir o método de tarifação das chamadas locais sido objeto de controvérsia nos autos, na medida em que a lide se ateve à declaração da nulidade da cobrança dos "serviços locais" não discriminados, não há que se falar em omissão do acórdão recorrido, tampouco em violação aos dispositivos constitucionais e legais apontados pela embargante. 4. Diversamente do sustentado pela embargante, o acórdão recorrido não impôs novos parâmetros para a consignação das ligações locais nas faturas telefônicas; apenas determinou que fosse observada a legislação consumerista no que tange à especificação dos serviços. Desse modo, inexiste a suscitada violação aos arts. 2º, 5º, inciso II e 37, caput, da Constituição Federal. 5. É irrelevante para o deslinde da questão a existência de autorização, em legislação infralegal, para a utilização do sistema de multimedição (pulsos), na medida em que, não sendo especificadas as ligações locais efetuadas pelo consumidor, há a violação de seus direitos previstos na Lei nº 8.078/90. Dessa forma, desnecessária a manifestação desta Turma Recursal a respeito de tal assunto, de modo que inexiste a omissão suscitada. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONHECIDOS E REJEITADOS. Do exposto, propõe-se o conhecimento e a rejeição dos embargos de declaração, consoante a fundamentação supra-expendida. É o voto que se propõe. DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os Juízes integrantes da Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer dos embargos declaratórios e, no mérito, rejeitá-los, nos termos do voto do relator.” – Embargos de Declaração Cível nº2004.0001868-9/1 – Juiz Relator Dr. Edgard Fernando Barbosa – Livro 70, fls.1-13 – 06/12/2004 – Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná

 

Percebemos então, pelas razoes expostas, que a cobrança de valores não discriminados em fatura telefônica é manifestamente ilegal, devendo ser restituído os valores pagos em dobro pela concessionária, conforme é a seguir apresentado.

 

 

DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS REFERENTES A COBRANÇA NÃO DISCRIMINADA EM FATURA TELEFÔNICA, EM DOBRO

 

Uma vez demonstrada a ilegalidade das referidas cobranças, há que ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor, isto porque assim dispõe seu artigo 42, parágrafo único, in verbis:

 

“Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer constrangimento ou ameaça.

 

Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

 

Observe-se que, sendo a cobrança de valores não discriminados na fatura ilegal, a quantia cobrada é indevida. Ressalte-se ainda que o parágrafo único do artigo supracitado abre uma exceção quanto a restituição em dobro, qual seja, o erro justificável, o que não ocorre no presente caso, vez que a concessionária sempre teve conhecimento da legislação, não cumprindo as determinações legais conscientemente.

 

Conclui-se assim que qualquer alegação de erro justificável irá contra o princípio esculpido na Teoria Geral do Direito de que ninguém pode se beneficiar de sua própria torpeza.

 

Neste sentido, trazemos:

 

“EMBARGOS DE TERCEIRO – Penhora. Alegação de que a transferência da propriedade ao executado deu-se por ato simulado. Descabimento. Artigo 104 do Código Civil. Regra cujo fundamento é o princípio moral que não admite prevalecer-se alguém de seu próprio ato ilegal, pois a ninguém é admitido alegar a própria torpeza. Simulação maliciosa equiparável ao dano configurada, mantida a indenização em razão do reconhecimento da litigância de má-fé. Ação improcedente. Recurso improvido”.grifo nosso - 1º TACSP – AP 0808688-2 – (34405) – São Paulo – 5ª C. – Rel. Juiz Álvaro Torres Júnior – J. 23.02.2000)

 

Desta forma está cabalmente demonstrado não ser o presente caso contemplado pela exceção prevista no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor.

 

Deve então a concessionária restituir os valores pagos em dobro, vejamos:

 

“EMENTA : REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. JUROS DE MORA. DATA INICIAL. CITAÇÃO. 1. Havendo cobrança indevida, aplicável o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor, que determina a restituição em dobro. 2. Os juros de mora incidem desde a data da citação, conforme prescrito no artigo 405 do Código Civil vigente. Recurso parcialmente provido. Condeno a recorrente ao pagamento das custas processuais e nos honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação.Decisão: ACORDAM os Juízes da Turma Recursal Única dos Juizados Especiais Cível e Criminal do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento parcial ao recurso, na forma acima explicitada.”grifo nosso – Recurso Inominado nº 2004000233-6 – 13/09/2004 – Juiz Relator ucimar Novochadlo – Turma Recursal Juiz.Esp.Paraná

 

Importante ainda analisar o que nos traz o Código de Defesa do Consumidor em relação à decadência, hipótese prevista em seu artigo 26.

 

“Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

(...)” – grifo nosso

 

Existem decisões dos tribunais que entendem ser este o artigo aplicável para que se peça a restituição em dobro dos valores pagos e não discriminados na fatura, resultando na devolução dos valores referentes aos últimos noventa dias.

 

Neste sentido, trazemos algumas decisões proferidas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, vejamos:

 

“VOTO. Recurso inominado - Linha telefônica convencional - Cobrança genérica sob o título de "pulsos faturados", "pulsos excedentes" e "pulsos além da franquia" - Fatura do consumidor que não apresenta, discriminadamente, data, local, duração das ligações e numero do telefone discado Sentença de procedência parcial que condenou a ré a devolver, em dobro, as quantias referentes aos valores cobrados a título de "pulsos excedentes”, desde noventa dias anteriores ao ajuizamento da ação, bem como, para não lançar em contas futuras qualquer cobrança a este título sem a devida especificação, sob pena de multa diária de trinta reais - Inviabilidade do controle da prestação do serviço por parte do consumidor - Conduta da ré que encerra em prática abusiva - Princípio da transparência nas relações de consumo Obrigatoriedade de prestar as informações adequadas sobre as condições do serviço, suas tarifas e preços - Recurso conhecido e provido, em parte, para limitar a devolução, na forma simples, dos valores cobrados indevidamente sob a rubrica de "pulsos excedentes", "pulsos faturados" e pulsos além da franquia" - Mantida, a sentença quanto a determinação de abstenção de cobranças futuras - Sem honorários.” - Juiz(a) CARLOS GUSTAVO VIANNA DIREITO – Autos nº2004.700.000637-4 – Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Estado do Rio de Janeiro

 

“V O T O. Autor que requer a devolução em dobro dos valores pagos a título de pulsos excedentes, requerendo, ainda, a condenação da ré em instalar medidor de pulsos, além da condenação por danos morais - Sentença de procedência parcial, que condena a ré a devolver ao autor o valor referente aos pulsos excedentes cobrados nos últimos 90 dias antes da propositura da ação, bem como a discriminar os pulsos excedentes, sob pena de pagamento de multa diária - Recurso inominado da ré, que visa a reforma da sentença, argumentando a necessidade de prova pericial, a impossibilidade de cumprimento da decisão, bem como em vista da legalidade da cobrança, que apenas está obrigada a identificação dos pulsos locais a partir de dezembro de 2005 - Prestação de serviço público - telefonia - Sentença que se reforma parcialmente - Desnecessidade de perícia Dever do fornecedor do serviço em detalhar especificadamente os pulsos telefônicos contidos na franquia do consumidor - Devido o pagamento pelo serviço efetivamente prestado, e apenas quando possível o detalhamento - Devolução dos valores pagos indevidamente no prazo decadencial de 90 dias, na forma do art. 42, § ún. do CDC Recurso conhecido e parcialmente provido - Sem honorários, em vista do recurso com êxito. A autora questiona a não identificação dos pulsos cobrados pela concessionária em suas faturas. A ré está obrigada, segundo o princípio da transparência máxima vigente nas relações de consumo, a fornecer ao consumidor conta de cobrança clara, detalhada, que lhe permitam aferir de forma inequívoca se aquilo que está sendo cobrado corresponde ao serviço efetivamente utilizado. O direito à informação é consagrado ao consumidor pelo art. 6º, III do CDC, devendo ser afastada, na hipótese, a Resolução da ANATEL dispondo em sentido contrário, eis que em desacordo com o ordenamento jurídico. Se a concessionária não consegue, por não poder ou não querer, fazer a discriminação das ligações telefônicas realizadas pelo consumidor, de seu telefone fixo para outro fixo, não poderá cobrá-las, devendo a cobrança restringir-se à assinatura mensal e às ligações e serviços discriminados (como faz com as ligações para celulares e interurbanos), até que possa adequar-se aos ditames legais e fazer as discriminações que a lei exige para proteger o consumidor em sua vulnerabilidade. Quanto ao pedido de devolução em dobro dos valores cobrados a título de pulsos excedentes, deve-se observar o disposto no art. 26, II do CDC, que dispõe sobre a decadência, somente fazendo jus o consumidor à restituição em dobro, na forma do § ún. do art. 42 do CDC, dos valores cobrados além da assinatura mensal, sem discriminação, relativa aos 90 dias anteriores à distribuição da ação. O consumidor fica, então, obrigado a pagar tão só o valor da assinatura mensal e as legações efetivamente discriminadas. Não há, ainda, que se falar em danos morais, posto que não comprovada qualquer lesão à honra, intimidade, personalidade ou imagem do autor. ISTO POSTO, voto no sentido de ser reformada em parte a sentença, condenando-se a ré a abster-se de cobrar os pulsos excedentes até que tenha condições de discriminá-los, sujeitando-se ao pagamento de multa de R$500,00 todas as vezes que efetuar a cobrança proibida. Condena-se, ainda, a ré a devolver, em dobro, os valores cobrados sob a rubrica "pulsos excedentes", relativos aos 90 dias anteriores à distribuição da ação. Sem ônus sucumbenciais” - Juiz(a) DANIELA FERRO AFFONSO RODRIGUES ALVES – Autos nº 2003.700.032185-0 – Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Estado do Rio de Janeiro.

 

“VOTO. Autor que requer a devolução em dobro dos valores pagos a título de pulsos excedentes, requerendo, ainda, a condenação da ré a instalar um medidor gráfico para discriminar os pulsos, além de indenização por danos morais Sentença de procedência parcial, que condena a ré a devolver ao autor o valor referente aos pulsos excedentes cobrados nos últimos 90 dias antes da propositura da ação, bem como a discriminar os pulsos excedentes, sob pena de pagamento de multa diária - Recurso inominado da ré, que visa a reforma da sentença, argumentando a necessidade de prova pericial, a impossibilidade de cumprimento da decisão, bem como em vista da legalidade da cobrança, que apenas está obrigada a identificação dos pulsos locais a partir de dezembro de 2005 Prestação de serviço público - telefonia Sentença que se reforma parcialmente Desnecessidade de perícia - Dever do fornecedor do serviço em detalhar especificadamente os pulsos telefônicos contidos na franquia do consumidor Devido o pagamento pelo serviço efetivamente prestado, e apenas quando possível o detalhamento - Devolução dos valores pagos indevidamente no prazo dos decadencial de 90 dias, na forma do art. 42, § ún. do CDC - Recurso conhecido e parcialmente provido - Sem honorários, em vista do recurso com êxito. O autor questiona a não identificação dos pulsos cobrados pela concessionária em suas faturas. A ré está obrigada, segundo o princípio da transparência máxima vigente nas relações de consumo, a fornecer ao consumidor conta de cobrança clara, detalhada, que lhe permitam aferir de forma inequívoca se aquilo que está sendo cobrado corresponde ao serviço efetivamente utilizado. O direito à informação é consagrado ao consumidor pelo art. 6º, III do CDC, devendo ser afastada, na hipótese, a Resolução da ANATEL dispondo em sentido contrário, eis que em desacordo com o ordenamento jurídico. Se a concessionária não consegue, por não poder ou não querer, fazer a discriminação das ligações telefônicas realizadas pelo consumidor, de seu telefone fixo para outro fixo, não poderá cobrá-las, devendo a cobrança restringir-se à assinatura mensal e às ligações e serviços discriminados (como faz com as ligações para celulares e interurbanos), até que possa adequar-se aos ditames legais e fazer as discriminações que a lei exige para proteger o consumidor em sua vulnerabilidade. Quanto ao pedido de devolução em dobro dos valores cobrados a título de pulsos excedentes, deve-se observar o disposto no art. 26, II do CDC, que dispõe sobre a decadência, somente fazendo jus o consumidor à restituição em dobro, na forma do § ún. do art. 42 do CDC, dos valores cobrados além da assinatura mensal, sem discriminação, relativa aos 90 dias anteriores à distribuição da ação. O consumidor fica, então, obrigado a pagar tão só o valor da assinatura mensal e as ligações efetivamente discriminadas. Não há que se falar, também em danos morais, eis que não há violação a qualquer dos direitos inerentes à personalidade do autor. ISTO POSTO, voto no sentido de ser reformada em parte a sentença, condenando-se a ré a abster-se de cobrar os pulsos excedentes até que tenha condições de discriminá-los, sujeitando-se ao pagamento de multa de R$500,00 todas as vezes que efetuar a cobrança proibida. Condena-se, ainda, a ré a devolver, em dobro, os valores cobrados sob a rubrica "pulsos excedentes", relativos aos 90 dias anteriores à distribuição da ação. Sem ônus sucumbenciais”. - Juiz(a) DANIELA FERRO AFFONSO RODRIGUES ALVES – Autos nº2003.700.032198-8 – Turma Recursal do Juizado Especial Cível do Estado do Rio de Janeiro

 

Com todo respeito a posição adotada pela Turma Recursal do Juizado Especial Cível do estado do Rio de Janeiro, ouso descordar.

 

Note-se que o caput do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor trata de vícios aparentes ou de fácil constatação. É óbvio que perceber que existem valores que não vem discriminados em fatura telefônica é de fácil constatação para o consumidor, no entanto a questão não pode ser apreciada por este prisma. Há que se entender que a constatação deve ser da ilegalidade desta modalidade de cobrança.

 

É notório que não é de fácil constatação para o consumidor que a falta de discriminação de valores na fatura telefônica é ilegal. Isto porque tal constatação se torna ainda mais difícil ao consumidor, pois sempre que a concessionária é consultada, afirma agir de acordo com disposição da ANATEL, sendo a cobrança por pulsos, sem qualquer discriminação, supostamente correta.

 

Neste caso a fácil constatação é sim da concessionária, que mesmo tendo total conhecimento da legislação vigente, sabendo que quaisquer determinações da ANATEL não poderão desrespeitar a Lei ou quiçá ter força maior, continua efetuando a cobrança de maneira ilegal.

 

Portanto, o prazo a ser aplicado é o que está disposto no artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

 

“Art. 27. Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”

 

Faz-se imprescindível observar o que nos traz o artigo 14, parágrafo 1º, inciso I, incluso na Seção II do código consumerista:

 

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

 

§1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

 

I – o modo de seu fornecimento;”

 

Desta forma, pelas razões expostas, há que ser aplicada a prescrição prevista no artigo 27 do C.D.C. (ou seja, a devolução dos valores pagos pelos últimos cinco anos, em dobro), vez que a concessionária sempre teve conhecimento de sua omissão, arbitrariedade e ilegalidade em relação às faturas telefônicas, não sendo tal fato de fácil conhecimento do consumidor, que ao consultar a própria empresa, afirma que age de acordo com as normas estipuladas pela ANATEL, impedindo que o consumidor possa conferir o que vem sendo gasto, obrigando-o a sujeitar-se aos valores cobrados para que não tenha o serviço interrompido.

 

 

DA COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DAS QUESTÕES REFERENTES AOS VALORES NÃO DISCRIMINADOS EM JUÍZO

 

Insistentemente a concessionária alega, em matéria de defesa, nos mais diversos processos que sofre, a incompetência da justiça estadual em razão da alegação de que a ANATEL - AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES é litisconsórcio passivo necessário, o que transferiria a competência para a Justiça Federal.

 

No entanto tal argumentação não merece prosperar uma vez que a ANATEL possui apenas o dever de fiscalização do serviço de telefonia, não sendo responsável pelos serviços e tarifas.

 

Neste sentido, trazemos:

 

“DECISAO: A NONA CAMARA CIVEL DO TRIBUNAL DE JUSTICA DO ESTADO DO PARANA, POR UNANIMIDADE DE VOTOS, NEGA PROVIMENTO AO RECURSO, NA FORMA DO VOTO DO RELATOR. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ACAO AJUIZADA PELA AGRAVADA DISCUTINDO IRREGULARIDADES NA COBRANCA DE SERVICO DE TELEFONIA (LIGACOES LOCAIS) PRELIMINAR DE CARENCIA DE ACAO REJEITADA. PRETENDIDA INCLUSAO DA ANATEL (AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES) NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. DESACOLHIMENTO. INVERSAO DO ONUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIENCIA TECNICA CARACTERIZADA. ALEGACAO DE INCOMPETENCIA DO JUIZO ESTADUAL AFASTADA. 1. AS CONDICOES DA ACAO SAO ANALISADAS SEGUNDO O QUE E AFIRMADO PELA PARTE AUTORA NA PETICAO INICIAL. ASSIM, SE HA ALEGACAO DE IRREGULARIDADE OU ILEGALIDADE NA COBRANCA DAS TARIFAS TELEFONICAS E O ORDENAMENTO JURIDICO NAO PRE-EXCLUI A APRECIACAO DA PRETENSAO PELO PODER JUDICIARIO, NAO HA QUE SE FALAR EM IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO. 2. A AGENCIA NACIONAL DE TELECOMUNICACOES (ANATEL) NAO E RESPONSAVEL POR SERVICOS E TARIFAS, TENDO APENAS O DEVER DE FISCALIZAR AS CONCESSIONARIAS, RAZAO PELA QUAL NAO SE JUSTIFICA A FORMACAO DE LITISCONSORCIO PASSIVO NECESSARIO E O DESLOCAMENTO DA ACAO PARA A JUSTICA FEDERAL. 3. OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA INVERSAO DO ONUS DA PROVA EM FAVOR DO CONSUMIDOR SAO AFERIDOS DE ACORDO COM AS REGRAS ORDINARIAS DA EXPERIENCIA, A CRITERIO DO CONDUTOR DO PROCESSO, NAO HAVENDO NECESSIDADE DE COMPROVACAO (ART. 6.., VIII, CDC). RECURSO DESPROVIDO”- GRIFO NOSSO – Processo nº172125300 – Origem: 8ª Vara Cível de Curitiba – Acórdão nº530 – 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – Relator Ruy Cunha Sobrinho – 31/03/2005

 

“EMENTA : TELEFONIA. "SERVIÇOS LOCAIS". AUSÊNCIA DE DISCRIMAÇÃO EM FATURA TELEFÔNICA. NULIDADE DA COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. 1) OBSCURIDADE. NECESSIDADE DA INTERVENÇÃO DA ANATEL NO FEITO. INOCORRÊNCIA. 2) OBSCURIDADE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. VÍCIO NÃO CONSTATADO. 3) OMISSÃO. COMPETÊNCIA DA ANATEL PARA DEFINIR O MÉTODO DE TARIFAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 4) VIOLAÇÃO AOS ARTS. 2º, 5º, II E 37, CAPUT, DA CF. TESE IMPROCEDENTE. 5) PREVISÃO DO MÉTODO DE MULTIMEDIÇÃO EM ATOS INFRALEGAIS. IRRELEVÂNCIA. (...) 3. Não tendo a questão acerca da competência da ANATEL para definir o método de tarifação das chamadas locais sido objeto de controvérsia nos autos, na medida em que a lide se ateve à declaração da nulidade da cobrança dos "serviços locais" não discriminados, não há que se falar em omissão do acórdão recorrido, tampouco em violação aos dispositivos constitucionais e legais apontados pela embargante... GRIFO NOSSO. Recurso 2004.0001868-9/1 - Embargos de Declaracao Cível - Ação Originária 2003.325 - Comarca de Origem Santo Antonio da Platina – JECl - Juiz Relator EDGARD FERNANDO BARBOSA – Livro 70, folha 1-13 - Data do Julgamento 06/12/2004 - Turma Recursal Única dos Juizados Especiais do Estado do Paraná

 

Assim, resta claro e indene de dúvidas que a competência para julgamento da demanda será da Justiça Estadual.

 

 

CONCLUSÃO

 

Não restam dúvidas de que a cobrança de valores não discriminadas em fatura telefônica é ilegal, devendo ser devolvida em dobro pelas concessionárias que a cobram. Para isso é necessário que os consumidores busquem seus direitos!

 

É necessário que as empresas cumpram as determinações legais, o que também é exigido de todos nós, cidadãos.

 

Conforme também foi apresentado, existem divergências em relação ao período em que a concessionária devera devolver os valores cobrados e não discriminados, sendo veementemente defendida a posição de que deverão ser devolvidos os valores pagos pelos últimos cinco anos, em dobro.

 

Por esta razão os consumidores precisam exigir seus direitos, pois este é o caminho que leva a evolução dos serviços, das Leis e do próprio ordenamento jurídico. Este é o caminho da JUSTIÇA!

 

Espera-se ainda terem ficados esclarecidas as razões de fato e de direito que demonstram ser ilegal a cobrança imposta, bem como qual a justiça competente para julgamento das inúmeras ações que vêm sendo impetradas em face das concessionárias.


[1] Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1988, v. 1, p. 425

[2] REALE, Miguel. A boa-fé objetiva. Estado de São Paulo, 16 de ago. 2003, Espaço Aberto, p. A2

[3] “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais realtivas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa fé ou a eqüidade;”

[4] “Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar e sua celebração.”

 

FÁBIO SILVEIRA ROCHA

ADVOGADO

fabiorocha124@hotmail.com