MEDIDA
DE SEGURANÇA: reflexões sobre o sistema adotado no Brasil
Adel El Tasse[1]
1. Considerações Gerais Introdutórias
A
medida de segurança apresenta-se como uma conseqüência jurídico-penal,
guiada por critérios preventivos especiais, ou seja, afasta-se de qualquer
conteúdo retributivo que, ainda que em escala mitigada, está sempre
presente quando se fala da pena. De há muito se tem debatido sobre a natureza jurídica da medida de
segurança, questionando se o seu caráter seria efetivamente penal ou
estar-se-ia diante de conteúdo de natureza administrativa. Não resta dúvida
do conteúdo penal da medida de segurança, pois é decorrência da constatação
do injusto penal (conduta típica e antijurídica), operado por indivíduo
inimputável, dentro dos critérios jurídico-penais. Assim,
a medida de segurança é indisfarçável resposta do sistema criminal ao
cometimento do injusto penal, resposta essa, porém, que não se reveste de
qualquer caráter retributivo, tendo atuação exclusivamente preventivo-especial,
o que quer dizer que se volta ao próprio indivíduo que a sofre. Cumpre observar que a noção de prevenção especial
foi formulada em sua moderna concepção, no período iluminista, tendo,
contudo, sofrido uma retração no início do século XIX, ressurgindo, tão
somente, ao final do século XIX, por força, essencialmente da pregação
Franz von LISZT.[2] A idéia preventivo-especial coloca em seu plano teórico
que o sistema penal atua objetivando recuperar o agente submetido a sua ação,
inserindo-se dentro do discurso justificador da medida de segurança, que se
refere à adoção de uma conseqüência destituída de todo e qualquer
conteúdo retributivo, voltada exclusivamente para a própria recuperação
do indivíduo que, inimputável, cometeu um injusto penal. Orienta a medida de segurança a concepção
de periculosidade, forjada, em sua noção inaugural, no pensamento da fase
jurídica da escola positiva. Rafael Garofalo é o jurista que, integrando a
Escola Positiva, ofertou tratamento técnico-jurídico aos estudos da mesma. Para
Garofalo, o criminoso tem a própria natureza degenerada, apresenta deturpação
psicológica, a qual nominou anomalia
moral. Fundamental,
e inserido na idéia de anomalia moral, é o fato de o critério para a fixação
da pena ser proposto com a nomenclatura de temibilidade. A temibilidade
constitui o grau de perversidade, ou mal, existente no criminoso. É de se
observar que a concepção, que demanda a consideração do estado de perigo
apresentado pelo delinqüente, influenciou o Direito Penal contemporâneo,
sendo desenvolvida com o nome de periculosidade. A medida de segurança volta-se, no discurso
dominante que a fundamenta, justamente para fazer cessar a periculosidade do
agente inimputável, por esta razão, afirmando o posicionamento tradicional
em torno da mesma, a justificativa exclusiva da medida de segurança aos
postulados preventivo-especiais. Impossível escoar sem crítica essa tradicional
construção, isso porque, embora haja simpatia geral pelas concepções
preventivo-especiais, tem-se deixado de observar que apresenta, a construção
clássica da mesma, que justamente orienta a concepção da medida de
segurança, falhas que a tornam inaceitável dentro do Direito Penal democrático
e liberal. É de se verificar que a teoria da prevenção
especial deixa o condenado totalmente a “mercê
da intervenção estatal”[3],
na medida em que o sentenciado será submetido ao tratamento ressocializatório
considerado adequado pelo Estado, inclusive sendo “possível um regime político no poder submeter a <<tratamento>>
penal, na qualidade de socialmente inadaptados, os inimigos políticos.”[4] A simples relação com a prevenção-especial faz
com que não haja qualquer limitação à intervenção estatal quando se
fala da medida de segurança, vez que seus critérios de validade e
legitimidade estariam na necessidade preventiva do indivíduo ser submetido
ao sistema enquanto apresenta traços da periculosidade. Há, por evidente, uma total ausência de limite na
intervenção estatal quando se fala da medida de segurança concebida com
absoluta e estrita base preventivo-especial, de outro lado, sendo seguro
afirmar que o Direito Penal, nas sociedades democráticas, não é ilimitado
ou guiado por um juízo absoluto do legislador. Em verdade, há necessidade
da existência de contornos claros e precisos quanto às hipóteses sobre as
quais pode intervir o Estado, proibindo determinadas condutas do cidadão ou
determinando a obrigatória necessidade da prática de outras, bem como
cominando sanções para aqueles que descumprirem tais comandos normativos.[5] Efetivamente, não há como aceitar justificada a
aplicação da intervenção estatal com exclusiva matiz preventivo-especial.
Essa solução é severamente criticada por ZAFFARONI, que adjetiva o Estado
que a adota de “onipotente,
delirante, que fala em nome de Deus”, acrescentando ser o mesmo “perigoso, claramente arbitrário, para não falar em um Estado
autoritário.”[6] Impõe-se,
dessa feita, o repensar da medida de segurança que, dentro da concepção
clássica, calcada em base exclusiva e absolutamente preventivo-especial,
cria um campo fértil para o abuso estatal que conta, revestido do
legitimante discurso do tratamento, com um mecanismo brutal e incontrolável
de intervenção sobre a liberdade individual. 2. Sistema Adotado no Brasil
Desde
a reforma penal de 1984 o Brasil passou a adotar o sistema vicariante, pelo
qual se dá a adoção de pena ou de medida de segurança, não sendo
possibilitada a aplicação cumulativa ou sucessiva de pena e de medida de
segurança. O
sistema anteriormente adotado, conhecido como duplo binário ou dualista,
permitia a aplicação sucessiva de pena e medida de segurança, vez que
propugnava fosse o agente submetido à medida de segurança para que se
desse a correção de sua incapacidade de compreensão, sendo depois
submetido à pena. Não
resta dúvida da logicidade mais intensa do sistema vicariante, que afasta a
possibilidade de somatório de conseqüências ao agente pelo mesmo fato,
separando em campos bastante precisos os indivíduos inimputáveis e,
portanto, submetidos à medida de segurança, dos indivíduos passíveis de
apenamento. Não
é por outra razão que na reforma penal de 1984, o parágrafo único do
artigo 26 do Código Penal estabeleceu que “a pena pode ser reduzida de
um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação da saúde mental
ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com este entendimento.” Com a adoção do sistema vicariante não poderia se estabelecer ao semi-imputável
um campo de semi-responsabilização, com a aplicação de uma parcela de
pena e uma parcela de medida de segurança, optando o legislador, pela
imposição de pena, porém com quantificação reduzida. 3.Pressupostos de aplicação da Medida de Segurança
3.1
Prática de fato típico punível:
Para a imposição de medida de segurança é indispensável que o
agente tenha praticado conduta descrita pela lei penal como criminosa, não
se encontrando justificada ou excluída a possibilidade punitiva pelas hipóteses
de erro de proibição invencível, de coação moral irresistível, de
obediência hierárquica não manifestamente ilegal, de embriaguez completa
por caso fortuito ou força maior ou da genérica e supra legal eximente de
inexigibilidade de conduta diversa. Conforme observa REGIS PRADO este requisito “funciona
como critério limitativo, com vistas a afastar a imposição de medidas de
segurança pré-delitivas por razões de segurança jurídica.”[7]
3.2
Periculosidade do agente: Quando se fala em juízo de periculosidade há um conteúdo de verificação
pré ou pós-delitiva. No
juízo de periculosidade pré-delitiva há o diagnóstico realizado
independentemente da prática de qualquer ato pelo indivíduo. Verifica-se
que sua personalidade possui traços de periculosidade, independente de
qualquer atuação concreta. Quando
se fala em periculosidade pós-delitiva, há uma vinculação da mesma à prática
de uma conduta, que no campo específico da medida de segurança, conforme
atualmente concebida pelo sistema pátrio, deve caracterizar-se como injusto
penal (conduta típica e ilícita). Desde
1984 não há qualquer cogitação na legislação nacional da possibilidade
de se falar em periculosidade pré-delitiva, como justificadora da imposição
da medida de segurança, solução esta parcialmente admitida na anterior
legislação, no extinto parágrafo único do artigo 76, que previa medida
de segurança na hipótese dos chamados “quase-delitos”. A
periculosidade é definida como a presença de uma anti-sociabilidade no
agente. Essa anti-sociabilidade deve ser duradoura e é, em verdade,
presumida no caput do artigo 26, do Código Penal, em que a prática
de injusto penal por pessoa portadora de doença mental ou desenvolvimento
mental incompleto ou retardado que tenha, no tempo da ação ou omissão,
integral incapacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de
orientar-se em acordo com este entendimento, sujeita a pessoa de imediato à
medida de segurança.
3.3.
Ausência de plena imputabilidade: Há obstáculo absoluto à aplicação de medida de
segurança ao agente imputável, enquanto ao semi-imputável, na forma do
artigo 98, do Código Penal, somente no caso excepcional de se mostrar
necessário especial tratamento curativo se admitirá a adoção da medida
de segurança, e somente ela, jamais pena e medida de segurança, tendo em
conta a adoção, no Brasil, do sistema vicariante. Resta
evidente que a vedação da imposição de medida de segurança ao agente
imputável, faz com que a ausência da plena imputabilidade surja como
inafastável requisito para a aplicação da medida de segurança.
[8] 4. Espécies de Medidas de Segurança existentes no
Brasil
O
Código Penal brasileiro prevê duas espécies de medidas de segurança, a
internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e a sujeição
a tratamento ambulatorial. 4.1
Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico: O
artigo 96, inciso I, do Código Penal, estabelece a modalidade em questão,
que tem caráter detentivo . Aplica-se a internação em hospital de custódia
e tratamento psiquiátrico aos inimputáveis, bem como aos semi-imputáveis,
quando necessitam de especial tratamento curativo. Internada,
a pessoa deverá ser submetida aos exames psiquiátricos, criminológico e
de personalidade, na forma que estabelecem os artigos 100 e 174 c/c os
artigos 8º e 9º, da Lei de Execuções Penais. A
redação do artigo 97, do Código Penal[9],
deixa patente que o internamento é obrigatório aos inimputáveis que
houverem praticado fato descrito na lei penal como punível com pena de
reclusão e facultativo quando se estiver diante de hipótese submetida a
punição por detenção.
4.2
Sujeição a tratamento ambulatorial: Na hipótese excepcional de o fato, descrito na lei
penal, praticado pelo agente, ser punível com detenção, o juiz poderá
submetê-lo a tratamento ambulatorial, porém, conforme o § 4º do artigo
97 do Código Penal, “em qualquer fase do tratamento ambulatorial,
poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for
necessária para fins curativos.” No
tratamento ambulatorial são ofertados acompanhamentos médicos à pessoa,
sem, contudo, sua internação. O indivíduo comparece nos dias determinados
pelo médico, para ser-lhe aplicados os encaminhamentos terapêuticos
prescritos.
[10]
5. Estabelecimentos para o cumprimento da Medida de
Segurança
O
sistema normativo existente permite que a medida de segurança possa ter seu
cumprimento em três modalidades de estabelecimentos. Inicialmente
o artigo 96, inciso I, do Código Penal, refere à internação em hospital
de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a falta, em outro estabelecimento
adequado. O artigo 101, da Lei de Execução Penal, por outro lado,
refere ao local com dependência médica adequada. O
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico constitui-se no local em
que devem ser realizadas as internações, por tal fato deve se revestir das
perfeitas condições a permitir a adequada assistência médica e psiquiátrica
ao interno. Não
se apresentando adequadas as condições do hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico, ou não existindo este, deve então ser a medida
de segurança executada em local em que haja adequação com o tratamento
objetivado, não definindo a lei, de forma mais precisa, o que deve se
entender por adequação do estabelecimento, fato que tem conduzido a alguns
desvios, em que antigos manicômios judiciários obsoletos, com estrutura
ultrapassada e inaptos para o tratamento, têm sido considerados adequados
pela autoridade judiciária. Por
local com dependência médica adequada deve-se compreender a sede onde
acontecerá o tratamento ambulatorial. Em razão de sua menor severidade, a
lei fixou, ao tratamento ambulatorial, a necessidade de cumprimento em
estabelecimento próprio, com as dependências médicas adequadas. Ocorre
que, no dia a dia, tanto o tratamento ambulatorial, quanto a internação,
em descompasso com a proposta legislativa, têm sido cumpridos no mesmo
lugar, e o que é mais grave, em antigos manicômios judiciários,
totalmente ultrapassados e sem características próprias à garantia de
adequado tratamento ao indivíduo.
6. Os Prazos na Medida de Segurança
Ambas
as hipóteses de medidas de segurança, internação e tratamento
ambulatorial, não encontram fixação de um prazo máximo de duração, uma
vez que o discurso tradicional, que sustenta tal hipótese, afirma ser
medida de tratamento e, assim, vincula sua duração à cura da enfermidade
apresentada pelo agente e nominada por periculosidade. A
verdade é que essa cura pode nunca ocorrer e, mais que isso, são questionáveis
os critérios de verificação da periculosidade, guiados por exacerbado
subjetivismo, embora objeto de perícia médica, que bem têm se adaptado ao
atual quadro de exploração sensacionalista do crime pela mídia, sempre
clamando por medidas mais rigorosas e sacrificantes de direitos fundamentais.
[11] O
que se tem é um prazo mínimo para a realização, pela primeira vez, do
exame de cessação da periculosidade, qual seja, de 1 (um) a 3 (três) anos,
não havendo previsão de prazo máximo para a duração da medida de
segurança que, assim concebida como medida indeterminada, pode ser perpétua. Por
outro lado, tem se fortalecido a posição, mais adaptada ao espírito da
Carta Política, no sentido de que a medida de segurança deve ficar, em sua
duração, limitada ao prazo máximo abstratamente previsto a título de
pena, para o fato que houver praticado o agente, pois como bem sustenta Luiz
Flávio GOMES esse é “o limite da intervenção estatal”.
[12] Assim,
a lei penal fixa, na sua previsão abstrata máxima, o limite extremo da
intervenção estatal, que não pode ser superado nem pela pena, nem pela
medida de segurança, solução contrária, que eterniza a medida de segurança,
agride o espírito constitucional democrático, por permitir a intervenção
perpétua do Estado em direitos fundamentais. O
início do cumprimento da medida de segurança ocorre com o trânsito em
julgado da sentença, sendo indispensável a expedição de guia de internação
ou de tratamento ambulatorial, conforme regra o artigo 173, da Lei de Execuções
Penais.
7. A Execução e a Extinção da Medida de Segurança
Durante
a execução da medida de segurança, em prazo mínimo de 1 (um) a 3(três)
anos, realiza-se o exame de cessação de periculosidade, que sendo
comprovada por perícia médica dá margem a que o juiz da execução
promova a desinternação, na hipótese de internamento, ou a liberação,
quando diante do tratamento ambulatorial. Observe-se
que, conforme estabelece o artigo 97, § 3º, do Código Penal, a extinção
definitiva da medida de segurança não ocorre imediatamente após a
desinternação ou liberação, pois há o previsivo do prazo de um ano, em
que não se pode dar, pelo indivíduo, a prática de qualquer ato indicativo
da persistência da periculosidade, para que, então, possa ser tornada
definitivamente extinta a medida de segurança. O
termo legal, “fato indicativo de persistência de periculosidade”,
não poderia mais infeliz ser, ante sua imprecisão e generalidade,
permissiva de abusos pelo Estado e mesmo por familiares, interessados em não
mais conviverem com a pessoa que apresenta alterações mentais, e que, então,
podem se valer de fatos comuns aos seres humanos para argumentar persistência
de periculosidade e obter a reinternação. [13] Ao
menos a doutrina tem sido constante em afirmar que o simples não
comparecimento ou descumprimento de condições impostas não são
suficientes a que se fale em persistência de periculosidade, devendo o juiz
sempre ouvir o beneficiário. Em
síntese, a liberação ou a desinternação são sempre condicionais a não
prática, no prazo de um ano, pela pessoa, de fato indicativo da persistência
de sua periculosidade. Superado tal prazo, sem nenhuma demonstração de
manutenção de periculosidade, tem-se, então, a definitiva extinção da
medida de segurança. A
medida de segurança tem fim, ainda, pela extinção da punibilidade, sendo
aplicáveis às medidas de segurança quaisquer das hipóteses extintivas da
punibilidade do artigo 107, do Código Penal, quer ocorram antes ou depois
da sentença irrecorrível. Dessa
forma, a prescrição também se aplica às medidas de segurança, sendo os
prazos prescricionais os mesmos aplicáveis às penas, na forma dos artigos
109 e 110, do Código Penal. Detalhe
importante é o relacionado ao semi-imputável, que terá, na forma do parágrafo
único do artigo 26, a efetiva imposição de uma pena, regulando-se o prazo
prescricional pela penal em concreto, enquanto que, como o inimputável é
absolvido, não se impondo pena em concreto, tem-se a regulação do prazo
prescricional pela pena em abstrato.
8. Medida de Segurança Substitutiva
Duas
hipóteses admitem a substituição da pena imposta por medida de segurança.
A primeira quando há a necessidade de especial tratamento curativo ao semi-imputável
(CP, art. 26, parágrafo único); a outra quando, durante o cumprimento da
pena, pelo condenado, sobrevém-lhe doença mental (LEP, art. 183). Embora
a posição majoritária da doutrina seja no sentido de que em ambas as hipóteses,
réu semi-imputável ou superveniência de doença mental, ocorra a
indeterminação da medida, vinculada que está à cura da pessoa, mais lógico
e democraticamente adaptado é que o limite fixado em sentença para o
cumprimento da pena seja o limite máximo da medida de segurança[14],
impedindo que, abusivamente, o condenado cumpra integral ou quase
integralmente a sua pena e, ao final, a pretexto de mantê-lo encarcerado,
seja afirmada superveniência de doença mental e, então, proceda-se a sua
indeterminada internação. [15]
Possui
o paciente submetido à medida de segurança direito de contratar médico de
sua confiança, ou de seus familiares, para acompanhar a realização do
exame de cessação da periculosidade, que poderá, inclusive divergir do médico
oficial, cabendo ao juiz da execução decidir a questão.
9. Considerações Finais
O
instituto da medida de segurança encontra-se em debate intenso na
atualidade, quer quanto às bases que o fundamentam, a chamada política de
tratamento, quer quanto ao seu descontrolado sistema executivo, não
submetido a prazos e maiores verificações. [16] Com
efeito, a política do tratamento é falsa e perversa, pois usa do discurso
de recuperação das pessoas, objetivada pelo Estado para, em verdade,
permitir a intervenção desmedida nos direito fundamentais, enquanto o
Direito Penal, como salienta LUISI, deve deter os avanços interventivos
estatais.
[17] Por
essa razão, à medida de segurança devem se impor as regras garantistas do
Direito Penal, limitando-a no tempo e construindo-se bases objetivas para
sua imposição, execução e extinção. Cumpre,
por fim, referir que, apesar da lentidão dos avanços, já se tem como
certo que o cumprimento da medida de segurança, quer internamento quer
tratamento ambulatorial, deve se dar, necessariamente, em local com condições
reais de tratamento do paciente. Referências Bibliográficas BACIGALUPO,
Enrique. Derecho Penal. 2.ª ed.,
Buenos Aires: Hamurabi, 1999. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006. GOMES,
Luiz Flávio. Medidas de segurança e
seus limites. Revista Brasileira de Ciências Criminais — IBCCrim, São
Paulo, n.º2, 1993 HENDLER, Edmundo. La razonabilidad de las
leyes penales: la figura del arrepentido. Teorías
Actuales en el Derecho Penal, Buenos Aires, Ad-Hoc. 1998. LUISI,
Luiz. Os princípios constitucionais
penais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2003. MATEU, Juan Carlos Carbonell. Derecho
penal: concepto y principios constitucionales. 3.ª
ed., Valência: Tirant lo blanch, 1999. PRADO,
Luiz Regis. Curso de Direito Penal
Brasileiro. Vol. 1. Parte Geral. 5.ª ed. São Paulo: RT, 2005. ROXIN,
Claus. Problemas fundamentais de
Direito Penal. Lisboa:
Vega, 1986. TASSE, Adel El. Teoria da Pena.
Curitiba: Juruá, 2003. ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Desafios do Direito Penal na era da Globalização,
Cidadania e Justiça. Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros,
Rio de Janeiro, ano 2, n.º5, 1998 [1]
O autor é Advogado em Curitiba. Titulariza o cargo de Procurador
Federal junto à Universidade Federal do Paraná. Desempenha a atividade
do Magistério, na cadeira de Direito Penal, em cursos de graduação e
pós-graduação, em diferentes instituições de ensino superior.
Professor nas Escolas da Magistratura Federal e Estadual do Estado do
Paraná. Instrutor no Curso Superior para Formação de Oficiais da Polícia
Militar do Estado do Paraná. Professor e Diretor do Curso Jurídico,
preparatório para exame da Ordem dos Advogados do Brasil e de atualização
forense para Advogados (Curitiba/PR). Professor no Curso LFG (São
Paulo/SP). Mestre em Direito Penal, desenvolveu seus trabalhos de
pesquisa sob a orientação do Ilustre e renomado Jurista Luiz Regis
Prado. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires.
Integrante da coordenadoria do Paraná da Associação Brasileira dos
Professores de Ciências Penais. [2]
As referências mais presentes da prevenção especial são encontradas
no chamado Programa de Marburg, de 1883, do qual é autor LISZT. [3]
ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Vega, 1986, p. 21. [4]
ROXIN. Idem. Ibidem. [5]
Bacigalupo, ao tratar do tema, assim explicita: “O
direito penal, visto sob esta perspectiva, cumpre (juntamente com outros
ordenamentos normativos) uma função reparadora do equilíbrio social
perturbado pelo crime, da qual vamos nos ocupar mais a frente. Crime,
portanto, entendido em sentido amplo, será uma forma de comportamento
desviado que se considera grave dentro de um sistema social e que é
qualificado como tal por órgãos legislativos com competência para
isso. O que caracteriza todo comportamento desviante e, por conseqüência,
também o crime, é sua divergência em relação aos modelos aceitos de
conduta, quer dizer, com os comportamentos que cumprem com as
expectativas sociais institucionalizadas. Essas expectativas se
expressam em normas, ou seja, através da comunicação dos desejos em
forma de ordem ou imperativos. Uma norma, nesse sentido, pode
caracterizar-se como uma ordem que torna claro um comportamento que não
se deve realizar ou reclama a realização de um comportamento necessário
para a conservação de um certo estado social. Exemplo da primeira espécie
seria a norma que diz ‘não matar’; exemplo da segunda, a que impõe
o pagamento de impostos:. ‘pague ao Estado determinada quantidade de
dinheiro na forma de impostos.’ Desta forma, pode-se afirmar que o
direito penal procura manter um determinado equilíbrio do sistema
social, ameaçando e castigando. O castigo ocorre cada vez que a ameaça
fracassa em sua função motivadora. (...) Em resumo, cabe assinalar que
o direito penal forma parte do ‘aparato de imposição’ (Parsons)
necessário a manutenção da estabilidade de uma sociedade. Trata-se da
última instância do referido aparato: a que ‘consiste na utilização
da força física para impedir ações perturbadoras’.”(BACIGALUPO,
Enrique. Derecho Penal. 2.ª
ed., Buenos Aires: Hamurabi, 1999, p. 41-42. Livre tradução.) [6]
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. Desafios do Direito Penal na era da Globalização, Cidadania e Justiça.
Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, Rio de Janeiro,
ano 2, n.º5, 1998, p. 201. [7]
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: volume 1. Parte Geral. 5ª ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2005, p. 746. [8]
Observa Cezar Roberto Bitencourt que “ a partir da proibição de
aplicação da medida de segurança ao agente imputável, a ausência de
imputabilidade plena passou a ser pressuposto ou requisito para a aplicação
de dita medida.”(BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito
Penal: Parte Geral. 10ª edição.São Paulo: saraiva, 2006, p.
840). [9]
Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz
determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto
como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a
tratamento ambulatorial. [10]
De se observar que “o tratamento ambulatorial tem sido visto como
mera possibilidade, uma vez que a internação é a regra (art. 97).
Contudo, a internação só é aplicável quando se faça necessário um
especial tratamento curativo, seja o agente inimputável ou semi-imputável,
aferida sua incompatibilidade com medida mais liberal (tratamento).
Sendo o crime punível com detenção e restando provada a
compatibilidade das condições pessoais do agente — inimputável ou
semi-imputável — com o tratamento ambulatorial, impõe-se a opção
por essa medida.”(PRADO, Luiz Regis. Op.
cit., p. 748-749) . [11]
Sobre as conseqüências penais, comporta seja observado que “os
valores e interesses relevantes e merecedores da tutela penal devem ser
protegidos com um aparato de penas provido de finalidades concretas no
sentido do minorar a problemática do crime. As conseqüências jurídicas
ao delito não podem ser fruto da agressividade e do sensacionalismo ora
reinantes na sociedade, mas sim representar soluções racionais que
permitam à sociedade diminuir sua violência e enfrentar com inteligência
e efetividade, o problema do delito.”(TASSE, Adel El. Teoria
da Pena. Curitiba: Juruá, 2003, p. 149). [12]
GOMES, Luiz Flávio. Medidas de segurança e seus limites. Revista Brasileira de Ciências
Criminais — IBCCrim, São Paulo, nº2, 1993, p.71. [13]No
pensamento de “Maier, o poder penal do Estado, aplicado racionalmente, resguarda
certos valores essenciais para a vida de uma comunidade e foi a criação
do Estado de Direito que estabeleceu as garantias contra sua utilização
arbitrária. As garantias, segundo a doutrina constitucionalista, são
as asseguradas para impedir que seja atingido o rol de direitos que são
atributos essenciais dos membros da comunidade.” (HENDLER,
Edmundo. La razonabilidad de las leyes penales: la figura del
arrepentido. Teorías Actuales en
el Derecho Penal, Buenos Aires, Ad-Hoc. 1998,
p. 393-394. Livre tradução.) [14]
A posição de que a medida de segurança substitutiva se limita pelo máximo
da pena fixada também é esposada por Luiz Flávio Gomes. Veja: GOMES,
Luiz Flávio. Op.
cit., p. 70. [15]
Bem a propósito, afirma Cezar Roberto Bitencourt que “tanto na hipótese
anterior, de réu semi-imputável, como nesta de superveniência de doença
mental, a medida de segurança não poderá ter duração superior ao
correspondente à pena substituída. Como tivemos oportunidade de
afirmar, ‘ na hipótese de, ao esgotar-se o prazo inicialmente fixado
na condenação, o paciente ainda não se encontrar recuperado, e não
podendo ser liberado, em razão de seu estado de saúde mental, deverá,
obrigatoriamente, ser colocado à disposição do juízo cível
competente.” (op.
cit., p. 846). [16]
A questão, no que diz respeito ao Direito Penal, é que “neste
ramo do ordenamento é que se afeta em maior medida as liberdades.”
MATEU,
Juan Carlos Carbonell. Derecho
penal: concepto y principios constitucionales. 3.ª
ed., Valência: Tirant lo blanch, 1999, p. 32. Livre tradução). [17]
LUISI, Luiz. Os princípios
constitucionais penais. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2003, p. 38.
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