INTRODUÇÃO

 

A admissão de estrangeiros, a passeio ou com ânimo de permanência no país, é uma prática amplamente admitida por quase todos os Estados. Incumbe a cada um deles o poder discricionário de regular a permanência do estrangeiro, sendo lícito o impedimento de seu ingresso, desde que isso não ocorra por motivo de raça, sexo, idioma ou religião, entre outros, em virtude destas limitações serem contrárias ao Direito Internacional.

 

O deslocamento do indivíduo está assegurado pelos princípios gerais do Direito e assegurado pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, que estabelece, no artigo 13 que “todo homem tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a este regressar”.

 

A saída forçada do estrangeiro do território do Estado em que se encontra, o abandono do país contra sua vontade, ocorre em circunstâncias e condições diferentes, ocasionando processos diversos, cabendo a cada Estado a regulação desse afastamento, respeitados os parâmetros do Direito Internacional.

 

Um exemplo disto é o caso citado por Florisbal de Souza Del’Olmo[1]: o “indivíduo brasileiro, condenado em seu país por tráfico de entorpecentes e preso, em meados de 2001, na Colômbia, onde se encontrava em situação irregular. A volta do foragido ao Brasil, para o cumprimento da pena já imputada e devido julgamento em outros processos da mesma natureza, nos quais estava indiciado, interessava a ambos os países. A especulação da imprensa, logo após a prisão, era quanto ao instituto que seria privilegiado pelas autoridades colombianas para o envio do sentenciado ao Brasil, aplicáveis ao caso: sua deportação, expulsão ou extradição. A Colômbia entendeu de aplicar a deportação, com o que o prisioneiro chegou no Brasil menos de 48 horas após sua captura pelas autoridades colombianas.” Conforme percebe-se no exemplo, a opção implica maior ou menor tempo e trâmites especiais.

 

Sendo assim, em matéria de remoção forçada da pessoa física do território de uma país, cabe distinguir os diversos institutos existentes.

 

 

EXPULSÃO

 

“É o processo pelo qual um país expele de seu território estrangeiro residente, em razão de crime ali praticado ou de comportamento nocivo aos interesses nacionais, ficando-lhe vedado o retorno ao país donde foi expulso[2]”.

 

A expulsão pode ser entendida então como o ato pelo qual o estrangeiro com entrada ou permanência regular em um país, é obrigado a abandoná-lo por atitude contrária aos interesses desse Estado. Este talvez seja o ponto principal que distingue o nacional do estrangeiro. Enquanto o nacional tem o direito inalienável de permanecer em seu solo pátrio – quase nenhum regime ousa banir seus nacionais – o estrangeiro não tem esta garantia, pois o Estado, mesmo depois de tê-lo admitido em seu território em caráter permanente, guarda o direito de expulsá-lo se for considerado perigoso para a boa ordem e a tranqüilidade pública.

 

Vale aqui citar os atos que podem determinar a expulsão: ofensa a dignidade nacional, mendicidade e vagabundagem, atos de devassidão, atos de propaganda subversiva, provocação de desordens, conspirações, espionagem, intrigas contra países amigos e entrada ilícita no território nacional. A ainda quem inclua o comércio de tóxicos e entorpecentes, crimes contra a liberdade sexual e o peculato.

 

A doutrina alerta que o direito de expulsar os estrangeiros residentes no país não deve ser exercido de forma abusiva, com o que se incorreria em violação ao Direito Internacional. Há que existir uma justificação razoável para a aplicação do instituto.

 

Não é uma pena, mas medida administrativa, tomada pelo Estado, no uso de sua soberania. Trata-se de ato discricionário, de competência do Poder Executivo, em quase todos os países.

 

O expulso recebe ordem para abandonar o território, mas é livre para se dirigir ao Estado que bem entender, desde que esteja disposto a recebê-lo.

 

No Brasil o instituto da expulsão está regrado no artigo 65 e seguintes da Lei nº6.815, de 19 de agosto de 1980, o conhecido Estatuto do Estrangeiro, com alterações introduzidas pela Lei 6965 de 9 de dezembro de 1981, assim como no Decreto nº86715/81, que o regulamenta, em seus artigos 100 a 109. Ocorre inquérito no Ministério da Justiça, com direito de defesa ao estrangeiro, materializando-se a expulsão por decreto do Presidente da República, a quem cabe a decisão, bem como eventual revogação da mesma.

 

O Poder Judiciário pode ser acionado para verificar possível arbitrariedade na medida de expulsão, sendo-lhe defeso entrar no mérito do ato. Poderá apreciar a legalidade do mesmo, mormente restrição aos direitos individuais. São recursos cabíveis ao expulsando o habeas corpus, o mandado de segurança e o pedido de reconsideração, ressaltando-se aqui que o de processamento mais rápido, conseqüentemente o mais utilizado, é o habeas corpus.

 

 

DEPORTAÇÃO

 

“É o processo de devolução de estrangeiro que aqui chega ou permanece irregularmente, para o país de sua nacionalidade ou de sua procedência.”[3]

 

Na expulsão, a remoção se dá por prática ocorrida após a chegada e a fixação do estrangeiro no território do país, a deportação se origina exclusivamente de sua entrada ou estada irregular no país.

 

Temos ainda, como conceito de deportação: é o ato pelo qual um Estado determina a saída do estrangeiro que nele ingressou de forma irregular ou cuja permanência se tenha tornado irregular.

 

A deportação é sempre individual, sendo contrária aos princípios do Direito Internacional e formalmente proibida qualquer forma de deportação coletiva, que foi praticada, por exemplo, na ditadura comunista na Rússia, após a revolução de 1917.

 

No ordenamento jurídico brasileiro essa devolução do estrangeiro com permanência irregular está prevista no Estatuto do Estrangeiro[4], nos artigos 57 a 67.

 

A deportação é normalmente precedida de notificação para que o estrangeiro abandone o país no prazo estabelecido pela Lei. Mas, a critério do Departamento de Polícia Federal, em benefício da convivência e dos interesses nacionais, a deportação poderá ocorrer sem a observância deste prazo.

 

É de iniciativa do Departamento de Polícia Federal, devendo ser lavrado o termo competente quando de sua ocorrência. Poderá ser impetrado habeas corpus em favor do deportando perante a Justiça Federal de primeiro grau.

 

O Estatuto do Estrangeiro permite ainda a expulsão quando a deportação não for exeqüível ou quando houver indícios de periculosidade do estrangeiro. Nesse caso, o habeas corpus será contra ato do Presidente da República e perante o Supremo Tribunal Federal.

 

É permitido o reingresso do estrangeiro deportado, bastando o pagamento de despesas e multas emergentes da deportação e o preenchimento dos requisitos para sua entrada regular no Brasil.

 

 

EXTRADIÇÃO

 

“É o processo pelo qual um Estado atende ao pedido de outro Estado, remetendo-lhe pessoa processada no país solicitante por crime punido na legislação de ambos os países, não se extraditando, via de regra, nacional do país solicitado.”[5]

 

Este instituto destina-se, portanto, a ilícitos penais, não sendo admitido para processos de natureza administrativa, civil ou fiscal. Visa repelir o crime, sendo aceito pela maioria dos Estados, como manifestação da solidariedade e da paz social entre os povos.

 

É conhecido desde a Antigüidade e visava, nos seus primórdios, aos presos políticos e não aos criminosos comuns, entendimento contrário aquele que se dá ao instituto em nossos dias, já que não se admite nas situações que envolvam crimes políticos.

 

O Tratado de Paz de Amiens, entre França, Inglaterra e Espanha, em 1802, teria sido o acordo que deu a extradição seu rumo quase definitivo, já que não foi cogitada a extradição de criminosos políticos. Tal orientação foi consagrada com a lei belga de 1833, que exclui de seu alcance definitivamente os criminosos polítibos.

 

Alguns estudiosos se opõe a extradição, em nome da liberdade individual, alegando que a busca de outro país pelo acusado não pode ser invalidada pela entrega do mesmo ao país cuja lei penal ele infringiu.

 

No entanto, muitos doutrinadores defendem o instituto, justificando: “tendo em vista que os Estados devem manter entre si uma cooperação indispensável e essa cooperação se manifesta também no combate ao crime, evitando que o delinqüente encontre, porque fora do alcance da justiça do Estado cuja lei violou, a impunidade desejada”[6]; e ainda “é a busca do ideal de justiça, pela solidariedade na luta contra a violação dos direito do homem e pelo dever moral de cada Estado de assistência mútua. Enquanto o princípio universal de repressão à criminalidade não for adotado de modo amplo, o que tão cedo não acontecerá, a extradição é um instituto necessário para que a repressão seja eficaz”[7].

 

A extradição destina-se, em tese, a crimes graves, não sendo aplicada, por exemplo, para agentes de contravenções penais. Como o conceito de gravidade é vago, defendem alguns autores que constem nos tratados de extradição a relação dos delitos passíveis da mesma, ou que se delimite a pena mínima de tais crimes. Nessa tessitura, os tratados de extradição que o Brasil mantém com o Chile e com a Espanha não admitem a aplicação do instituto para crimes com previsão de pena de menos de um ano de prisão, enquanto os tratados do Brasil com a Bélgica, com os Estados Unidos e com a Suíça apresentam a relação dos crimes ou delitos que conduzem a extradição.

 

A extradição se classifica em:

 

-Ativa: em relação ao Estado que a requer;

 

-Passiva: em relação ao Estado requerido;

 

-Instrutória ou Processual: para julgamento;

 

-Executória ou Executiva: para cumprimento de pena já imposta.

 

Alguns autores referem ainda:

 

-Extradição em Trânsito: passagem do criminoso pelo território nacional;

 

-Reextradição: entrega do criminoso, extraditado, a terceiro Estado, mediante autorização do primeiro Estado;

 

-Extradição espontânea: quando não solicitada;

 

-Extradição de fato: entrega do criminoso sem a observância das formalidades legais, ocorrente nas regiões fronteiriças;

 

-Extradição condicional ou temporária: pela qual o Estado requerente, em caso de condenação, se compromete a devolver o extraditando ao país requerido a fim de que a pena seja cumprida perto de seus familiares.

 

Ressalta-se ainda que dois requisitos se antepõe à extradição:

 

-a especialidade ou efeito limitativo da extradição, ou seja, julgamento ou cumprimento de pena pelo delito considerado, tão somente;

 

-a identidade ou dupla incriminação, ou seja, o crime deve fazer parte da legislação de ambos os Estados considerados.

 

Deve ainda haver ausência da prescrição, tanto da ação penal quanto da pena, e o tribunal que irá julgar, ou que já tiver condenado, o extraditando não pode ser juízo de exceção.

 

A extradição depende da existência de tratado entre os países considerados, ou de promessa de reciprocidade. A análise desta promessa compete exclusivamente ao Poder Executivo. Entende-se, no entanto, que a concessão da extradição sem a existência de tratado está plenamente justificada pelos princípios que norteiam o instituto, mormente se estiver albergada pela certeza de reciprocidade. Reza o artigo 76 do Estatuto dos Estrangeiros: “poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar a tratado, ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade.”

 

Há quase um consenso da não-extradição de nacionais. Os Estados, inclusive o Brasil, negam a extradição dessas pessoas.

 

Muitos doutrinadores se colocam contra esta posição, entre eles Clóvis Beviláqua, ao afirmar que “para conceder a extradição pedida não deve o Estado preocupar-se com a nacionalidade do criminoso”. Entende que o juiz natural do delinqüente é o do local na qual a lei foi infringida.

 

A concessão da extradição no Brasil tem tratamento constitucional, cabendo ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro. A decisão será tomada pelo Plenário, após examinada a legalidade e a procedência do pedido. Não cabe qualquer recurso.

 

A extradição será requerida pela via diplomática ou de Governo a Governo. O pedido será instruído com cópia autêntica da certidão de sentença condenatória, da pronúncia ou da que decretar a prisão. O Ministro das Relações Exteriores remeterá a petição ao Ministro da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando, colocando-o a disposição do Supremo. Caso esse estrangeiro já se encontre preso, o pedido será encaminhado diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

 

 

OUTROS INSTITUTOS

 

Os institutos já apresentados são os principais em matéria de saída compulsória do estrangeiro. No entanto, na pesquisa realizada a de serem citados ainda o repatriamento, o banimento, e o desterro.

 

Em relação a estes institutos não se encontrou vasta matéria, mas será aqui apresentada de acordo com o extraído do livro Direito Internacional Privado (parte geral), de Jacob Dolinger, 2ª edição.

 

O repatriamento corresponde à deportação. Daí não há mais o que ser tratado em relação a este instituto, em vista do que já foi apresentado anteriormente.

 

O banimento se aplica a cidadãs expelidos de sua pátria. O Código Criminal de 1830, artigo 50, cominava para certos crimes a pena de banimento, com a conseqüência legal da privação dos direitos de cidadão brasileiro e inibição perpétua de volver ao território nacional. A Constituição de 1891, artigo 72, § 20 proclamou que “fica abolida a pena de galés e de banimento judicial”. No entanto, em nossa acidentada vida política, tivemos várias experiências de nacionais banidos do território nacional.

 

A ditadura de Vargas e o regime militar instaurado pelo movimento de 1964 praticaram o banimento.

 

Desterro é o confinamento dentro do território nacional. O ex-presidente Jânio Quadros foi desterrado pelo regime militar para o interior de Goiás por um período de algumas semanas.

 

 

CONCLUSÃO

 

A admissão de estrangeiros é uma prática amplamente aceita por quase todos os Estados, aos quais cabe o poder discricionário de regular a permanecia dessas pessoas. A saída forçada do estrangeiro ocorre em circunstâncias e condições diferentes, ocasionando também processos diversos.

 

A expulsão é o ato pelo qual o estrangeiro, com entrada regular no Brasil, é obrigado a abandonar o país, por razões de segurança nacional, ordem pública ou social, moralidade pública ou economia popular. Trata-se de direito inerente a soberania dos Estados. A expulsão não é uma pena, mas medida administrativa. É ato discricionário, de competência do Presidente da República. Não se admite expulsão quando implicar extradição inadmitida pela lei brasileira.

 

A deportação é o processo de repatriamento do estrangeiro com permanência irregular no Brasil. Estrangeiro com visto de permanência vencido ou com ausência de visto válido, ou, ainda, com visto de transito, de turista ou temporário como estudante ou correspondente de notícias e exercendo atividade remunerada no Brasil, são passíveis de deportação. É de iniciativa do Departamento de Polícia Federal, sendo lavrado o termo competente na ocasião.

 

A extradição é o processo pelo qual um Estado devolve, mediante solicitação do pais interessado, estrangeiro condenado ou indiciado no país requerente. Visa repelir o crime, sendo aceita pela maioria dos Estados, como manifestação da solidariedade e da paz social entre os povos. Os delitos militares, os de opinião e os de imprensa não ensejam a extradição, enquanto os criminosos terroristas sujeitam-se a ela na maioria dos países.

 

A extradição difere da expulsão, pois é solicitada pelo Estado estrangeiro, para o qual necessariamente irá o acusado e o pedido deverá ser aprovado pelo Superior Tribunal Federal, após o que o extraditado será entregue ao Estado solicitante. Também difere da deportação, na medida em que o extraditado dependerá de cumprimento da pena no Estado em que foi condenado e da aceitação do retorno pelas autoridades brasileiras para retornar.

 

 

CURIOSIDADE – PINOCHET

 

Em 1999, o juiz espanhol Baltazar Garzón solicitou a extradição do ex-ditador chileno Augusto Pinochet, que se encontrava em Londres, por delitos cometidos contra cidadãos espanhóis durante seu governo autoritário. O pedido partiu de terceiro país, através de magistrado de primeira instancia, se destinando a julgar um antigo chefe de Estado, estando, pois, em desacordo com os parâmetros do instituto. Razões humanitárias legitimaram o não andamento do processo, tendo sido aberto outro processo contra Pinochet em seu país. Uma nova postura se abre a extradição, pois outros acusados, em situação análoga, podem agora ver ameaçado seu futuro de impunidade.

 

Trabalho realizado por Fábio S. Rocha

 

[1] Curso de direito internacional público – 1ª Edição – Rio de Janeiro – Forense, 2002 – pg.197

[2] Jacob Dolinger – Direito Internacional Privado (parte geral) – 2ª Edição – Rio de Janeiro – Renovar – 1993 – pg.203

[3] Jacob Dolinger – Direito Internacional Privado (parte geral) – 2ª Edição – Rio de Janeiro – Renovar – 1993 – pg.203

[4] Lei nº6815, de 19 de agosto de 1980.

[5] Jacob Dolinger – Direito Internacional Privado (parte geral) – 2ª Edição – Rio de Janeiro – Renovar – 1993 – pg.203

[6] Luis Ivani de Amorim Araújo

[7] Albuquerque Mello